Viradouro, Mangueira e Grande Rio foram destaques no primeiro dia de desfiles do Grupo Especial
Por Luis Leite e Danndara Kyzy
Fotos: Luis Leite
A primeira noite de desfiles da elite do carnaval carioca de 2020 trouxe para avenida sete escolas, entre elas a campeã e a vice-campeã do ano passado: Mangueira e Viradouro. Os desfiles apresentaram temas sobre religiosidade, tolerância, meio ambiente e críticas aos políticos brasileiros.
A Estácio de Sá, de volta ao Grupo Especial, abriu a noite de gala com o enredo “Pedra”, que está presente em vários recortes da história do nosso país, mostrando-a como guardiã dos animais pré-históricos, fonte de riqueza, morada dos espíritos indígenas e também da exploração desenfreada em busca de poder e riqueza. Com um desfile morno, a escola não empolgou o público, porém faltou garra e evolução de seus componentes.
A carnavalesca Rosa Magalhães comemorou os seus 50 anos de carreira desfilando no quinto carro, que representava o garimpo de Serra Pelada.
Homens das cavernas alcançando o espaço
A comissão de frente mostrou a evolução dos homens primatas até a chegada à Lua, inspirado no filme de Stanley Kubrick “2001 – Uma Odisseia no Espaço”, lançado em 1968.
O casal de mestre-sala e porta-bandeira, Zé Roberto e Alcione, se apresentaram vestidos com a cor da escola, significando a pedra Rubi no processo de lapidação.
Jaqueline Maia fez sua estreia como rainha de bateria na Estácio, personificando a Deusa da mata.
A terra vista da lua
Destaque para a última alegoria da escola, além da imagem de São Jorge trouxe também astronautas suspensos simulando a gravidade zero, com uma crítica ao meio ambiente.
Candidata ao título, Viradouro ensaboa a Sapucaí
A Unidos do Viradouro veio logo a seguir com o enredo “Viradouro de Alma Lavada”, assinado pelos carnavalescos Marcus Ferreira e Tarcísio Zanon. A agremiação contou a história das Ganhadeiras de Itapuã, escravas que trabalhavam duro para conseguir comprar a alforria. Com carros alegóricos grandiosos e fantasias luxuosas, na plástica a Vermelho e Branco de Niterói apresentou um trabalho impecável, coerente e de fácil leitura. No quesito harmonia, a comunidade cantou o samba do início ao fim e fez a Sapucaí ecoar o refrão ‘Ó mãe! Ensaboa, mãe! Ensaboa pra depois quarar’.
Carro abre-alas, “Prelúdio das Águas”
Um dos destaques emocionantes foi a comissão de frente, que representou as zungueiras lavadeiras que durante a coreografia, as bailarinas no requebrado do corpo saudavam Oxum, cujo em cima de um tripé revelava uma sereia nadando dentro de um aquário. A performance encantou e tirou aplausos do público.
A bateria de mestre Ciça foi um show à parte. Dentre muitas paradinhas realizadas ao longo do desfile, duas ritmistas saiam de dentro de uma escultura em forma de um tambor tocando timbal.
A ala das baianas, representaram quituteiras de saias bordadas com abarás, acarajés e tapiocas.
O último carro, denominado “As Ganhadeiras de Itapuã – O axé que veio da Bahia”, apresentou problemas na iluminação, o que pode acarretar perda de pontos na escola.
Mangueira: Em nome do pai
Logo após foi a vez da atual campeã, Estação Primeira de Mangueira, com o enredo “A Verdade Vos Fará Livre” questionando sobre como seria o retorno Jesus Cristo nos dias atuais, no mundo de tanta intolerância.
Com um desfile emocionante a Verde e Rosa conseguiu passar para o público sua mensagem com muita clareza no enredo. O abre-alas exibiu o retrato da sagrada família com Alcione representando Maria, a mãe do filho de Deus e Nelson Sargento, do outro lado representando José, pai de Jesus.
A comissão de frente apresentou Jesus de tênis, vestindo jeans e carregando um celular. Na encenação da Santa Ceia, Cristo e os apóstolos são vítimas de opressão policial.
A rainha de bateria Evelyn Bastos representou Cristo em corpo de mulher, ela cruzou a avenida vestida de roxo, com um coroa de espinhos na cabeça e sem sambar.
Uma das principais alegoria foi o carro do Calvário que trouxe a imagem de um jovem negro de cabelo pintado de loiro crucificado e com marcas de tiros, causando um grande impacto na Sapucaí.
A quarta desfilar, a Paraíso do Tuiuti, levou para a avenida o enredo “O Santo Rei”, que entrecruza as vidas e as trajetórias de Dom Sebastião de Portugal e o Santo Padroeiro, além de abordar a diversidade e religiosidade retratado como Oxóssi na cultura do candomblé e da umbanda brasileira.
A comissão de frente trouxe dançarinos que além de interpretar o encontro dos Sebastiões, manipulavam bonecas ventríloquo, representando as senhoras da comunidade do Tuiuti.
Mesmo com um bom conjunto de alegorias e fantasias, a azul e amarelo não empolgou a avenida, faltou animação e a comunicação dos componentes com o público.
Por conta do atraso, para colocar os destaques sobre um carro na área de concentração, a escola precisou correr para não estourar o tempo previsto.
A noite marcou a estreia de Lívia Andrade como rainha de bateria da agremiação, representando a guardiã Ninfa das águas místicas.
O último carro levou a imagem de São Sebastião lembrando a violência como uma das flechadas que atinge os cariocas em seu cotidiano.
Grande Rio: Respeita o meu axé! O enredo é um alerta contra a intolerância religiosa
Quinta escola a cruzar a Marquês de Sapucaí, a Acadêmicos do Grande Rio, com o enredo “Tata Londirá – O Canto do Caboclo no Quilombo de Caxias”, contou a história de um dos mais famosos babalorixás do Brasil: Joãozinho da Gomeia. Líder religioso negro e homossexual, Joãozinho superou as barreiras do preconceito e em seu terreiro em Duque de Caxias atendeu milhares de pessoas, incluindo grandes nomes da política e também do mundo artístico.
A comissão de frente reuniu bailarinos representando os orixás Iansã e Oxóssi, que regiam o homenageado. Na coreografia se transformavam em índios caboclos. No fim eles subiam em cima de um tripé e dentro de um espelho d’água encenava a infância do pai de santo.
De volta ao posto de rainha de bateria que havia ocupado em 2009 e 2010, Paolla Oliveira brilhou vestida de Cleópatra.
Com um dos sambas mais apreciados do Carnaval 2020, a Tricolor da Baixada Fluminense fez o seu melhor desfile dos últimos anos. Integrantes cruzaram a Sapucaí cantando em plenos pulmões e interagindo com o público. Apesar da exuberância de algumas alegorias, a escola enfrentou dificuldade com o carro abre-alas que entrou desacoplado na avenida. A demora fez com que um enorme buraco se abrisse no início do desfile. Porém a agremiação pode perder pontos em evolução.
União da Ilha: Mostrando a vida como ela é
Penúltima a desfilar na madrugada desta segunda-feira (24), a União da Ilha foi marcada por vários problemas durante a sua apresentação, que resultou um enorme buraco no meio do desfile. O terceiro carro alegórico “Operários em Construção”, quebrou e teve que ser empurrado por integrantes da escola comprometendo a evolução. Com estética realista, o enredo “Nas encruzilhadas da vida, entre becos, ruas e vielas, a sorte está lançada: salve-se quem puder!” abordou os principais problemas que afetam a sociedade, notadamente nas camadas mais pobres da população, instaladas em comunidades.
A comissão de frente retratou a importância da educação no nosso país, em homenagem a Carolina Maria de Jesus, mulher negra e favelada que se tornou uma grande escritora.
Helicópteros pilotados por componentes fantasiados de policiais reproduziram a cena comum em operações. Em vez de disparar tiros jogavam camisetas com a palavra “paz”
Além de quatro aeronaves sobrevoando uma imensa favela no carro abre-alas, a escola chamou atenção com outra alegoria que causou impacto na avenida: um ônibus, onde era simulado um assalto. O bandido fazia uma mulher de refém e apontava uma arma para a cabeça dela. Em determinado momento a vítima escrevia com batom a palavra “Socorro”, no vidro do veículo. A cena fez alusão ao sequestro do ônibus 174, em 2000.
Reflexos da vida privada
O quarto carro trouxe réplicas gigantes de fuzis e pistolas, com políticos sentados em privadas douradas. Mostrou também a situação em que o país se encontra depois de tantas promessas não cumpridas, escândalos e golpes, falcatruas e qualquer outro substantivo que represente um ciclo interminável
de mentiras oficiais.
A Tricolor Insulana ultrapassou o tempo máximo em 1 minuto, resultando na perda de 1 décimo como punição.
Portela foi a sétima e última escola a entrar na avenida com o raiar do dia, a maior campeã do carnaval carioca trouxe o enredo “Guajupiá, Terra Sem Males”, assinado pelo casal de carnavalescos Renato Laje e Márcia Lage que marcaram sua estreia na Azul e Branco de Madureira.
A Majestade do Samba apresentou a história do Rio de Janeiro pela visão indígena e trouxe alegorias extremamente luxuosas com riqueza de cores incríveis que também proporcionam efeitos de luz belíssimos.
A comissão de frente mostrou um ritual antropofágico, encenando um banquete em que os índios tupinambás devoravam um membro de uma tribo rival.
O casal de o mestre-sala e a porta-bandeira, Marlon Lamar e Lucinha Nobre, vieram fantasiados de “Irim-Magé. Lucinha veio com uma barriga artificial em que simulava uma gravidez, na performance ela dava a luz a um bebê. Durante a apresentação da dupla, em frente à cabine de jurados, Lucinha tropeçou e a bandeira enrolou no mastro.
A rainha de bateria Bianca Monteiro representou a cabocla Jurema líder da aldeia Mata Verde
Com o tema ligado ao meio ambiente, a escola aproveitou a oportunidade para fazer críticas políticas e sociais, de maneira sutil.
Em um trecho de samba há uma referência clara aos ataques sofridos pelos povos indígenas, principalmente vindos por parte do governo presidente Jair Bolsonaro.
“… Índio pede paz, mas é de guerra Nossa aldeia é sem partido ou facção Não tem “bispo”, nem se curva a “capitão”…”