Ivone Gomes: ‘Minha vida se resume à Unidos da Tijuca e me dedico de corpo e alma’

Ivone Gomes: ‘Minha vida se resume à Unidos da Tijuca e me dedico de corpo e alma’
Ivone durante o desfile da Unidos da Tijuca - Arquivo pessoal

Por Ricardo Maia
Fotos: arquivo pessoal

Nesta entrevista, vamos falar um pouco de pessoas que fazem o carnaval longe dos holofotes, porém são tão importantes quanto as “estrelas”. Nos bastidores, o seu trabalho vai muito além de somente ensaiar e de desfilar. O amor fala mais alto pelo que se faz. Ela integrou a Ala de Baianas do Salgueiro, do Arranco, da Império da Tijuca, foi presidente da Aprendizes do Salgueiro e hoje é secretária, presidente da Ala das Baianas e do Departamento Feminino da Unidos da Tijuca. Estamos falando de Ivone Maria Gomes. 

Durante esta conversa com nossa equipe de reportagem, Ivone Gomes conta sobre a sua paixão pela ala de baianas, momentos inesperados e até de certa forma cômicos ocorridos com algumas baianas pouco antes dos desfiles e especialmente sobre o caminho percorrido pelo mundo do samba até o momento atual. 

OBatuque.com – Fale-me um pouco sobre a tua trajetória no carnaval?

Ivone Gomes – Comecei minha trajetória já madura, sempre fui apaixonada pela ala de baianas, um dia indo a uma festa no Arranco, procurei o responsável pela ala e me inscrevi, depois fui para o Salgueiro e fiz a mesma coisa. Ali começava minha caminhada pelo carnaval. Três anos de baiana, fui convidada a assumir a Presidência da Aprendizes do Salgueiro na qual fiquei 2 anos. Saí em 2000. De lá fui para a (Unidos da) Tijuca, onde estou até hoje, cuidando da comunidade, onde faço inscrições, escolho alas para cada componente e sempre pensando no bem-estar deles. Já estou há alguns anos como secretária, à frente do Departamento Feminino e da Ala das Baianas, minhas meninas do coração. Então fui componente em algumas escolas, diretora, harmonia, presidente de escola mirim e presidente de baianas. Junto a isso tudo, estou trabalhando na administração de duas.

Ivone entre as meninas, as baianas

OBatuque.com – Como foi o processo de uma baiana ser convidada para presidente de uma escola mirim?

Ivone Gomes – Foi assim. Na época, ajudava ao presidente no que podia, meus cursos de secretariado me ajudaram bastante. Um dia, numa reunião, o antigo presidente me chamou e me avisou que a partir daquele dia, estaria à frente da Aprendizes. Fui indicada pela presidente da Ala dos Compositores de lá: Dona Ayde, com o aval de Dona Iracema, presidente da Ala de Destaques. Fiquei doida, larguei o emprego e me enfiei na quadra todos os dias para aprender como seria o trabalho de uma presidente, logo eu que só queria ser baiana (risos). Chamei amigos para me ajudarem e fui com a cara e a coragem. Tenho muito orgulho dessa minha passagem. Descobri vários talentos hoje no mundo do samba.

OBatuque.com – E como foi sua passagem do Salgueiro para a Unidos da Tijuca?

Ivone Gomes – Na mudança de administração, o novo presidente da época trocou toda a equipe. E eu fui junto nessa barca. Fui a última a ser dispensada, mas fui.

OBatuque.com – E como foi sua chegada à Unidos da Tijuca? Quem te levou?

Ivone Gomes – Encontrei um amigo, o senhor Ivan de Freitas, com quem eu havia sido harmonia na Tuiuti. No ônibus, ele me convidou para ser secretária da Harmonia, e assim fui, no dia 1° de abril de 2001.

OBatuque.com – Secretária da harmonia existe?

Ivone Gomes – (Risos) Auxiliava nas atas de reunião, fazia fichas das harmonias, marcava reuniões… Bem, a parte burocrática era comigo.

Assistindo aos desfiles

OBatuque.com – Então dessa oportunidade, você foi ganhando espaço na Tijuca. De um tempo para cá, se tornou uma referência para todos na escola. Assessora da Presidência, Direção de Carnaval. É uma espécie de ligação entre o mundo exterior e a escola. Em que momento você percebeu essa “função”? Como conquistou? Você focou nesse objetivo ou aconteceu? Como você avalia a sua importância para o sucesso da escola?

Ivone Gomes – Na verdade, amo meu trabalho e com o passar dos anos, fui me aprimorando no que faço, procuro sempre fazer o melhor, tanto para os componentes, como para a escola. Creio que a referência, como você diz, veio do amor que tenho pela escola, por toda diretoria, componentes… Amor pelo que faço acima de tudo. Não vou dizer que essa referência seja um mar de rosas, às vezes tem sempre um outro que não entende minha posição. Nem o Maior de todos conseguiu agradar, que dirá eu. Me sinto numa ligação entre o mundo lá fora e a Presidência. Claro, dentro das minhas atribuições, procuro blindar, mas sem nunca deixar de passar à Presidência tudo que faço. Na verdade, pergunto sempre se posso fazer antes. De repente me vejo envolvida, mas sem nunca deixar subir à cabeça. Às vezes sou mais enfezada com quem é comigo, porém, na maioria das vezes, sou do bem. Não planejei, nem nunca pensei em ser, como você diz, referência, sempre quis fazer somente o meu trabalho e é para isso que estou aqui (risos). Não me acho tão importante assim, no dia em que eu não estiver mais aqui, outras virão. Por isso trabalho com transparência. As meninas do Departamento Feminino e algumas baianas que me ajudam na hora em que preciso, faço questão que todas aprendam o que eu faço.

OBatuque.com – Qual o momento mais emocionante que você viveu nesse meio?

Ivone Gomes – Nos campeonatos! Foi muito bom mesmo. Saber que você fez parte daquela produção toda, é maravilhoso. Ah, esqueci de comentar: quando alguém adoece, lá vou eu procurar algum atendimento ou um médico conhecido. Já nos falecimentos, as ajudas consigo com os amigos, outros, levo a bandeira. Como diz meu presidente: “Departamento para Assuntos Funerários”. Graças a Deus, meus dois departamentos estão em recesso (risos).

OBatuque.com – Ivone, vários sambistas já passaram por histórias engraçadas e “perrengues” na avenida. Qual foi um dos maiores “perrengues” que você passou e que hoje te fazem dar risadas?

Ivone Gomes – Vamos lá! Perrengue propriamente não digo, mas uma coisa que me lembro até hoje. Num determinado desfile, ainda na concentração, eu estava ajudando as baianas do Salgueiro a se vestirem, eu era sempre a última. Num certo momento, deu vontade em algumas baianas de fazerem ‘pipi’. E agora? Todas prontas. Pronto, resolvi levá-las para o cantinho da Presidente Vargas e ensinei como seria. Algumas falaram: ‘Meu bumbum vai ficar de fora’. Aí, as convenci de que nunca mais iriam saber que aquele bumbum era delas. Todas fizeram seu ‘pipi’ sem molhar a saia e desfilaram plenas e aliviadas. Sempre que passo naquele lugar, me lembro desse episódio e fico rindo sozinha.

OBatuque.com – O momento de alegria máxima foi o primeiro título pela Unidos da Tijuca, em 2010? Como foi a emoção naquele desfile? Como foi entrar na avenida e sair de lá ovacionada?

Ivone Gomes – Meu maior momento foi realmente no meu primeiro campeonato na Tijuca. Desfilei confiante, feliz e saí do desfile de alma lavada.

OBatuque.com – Por que a alma lavada? Você estava sendo muito criticada, apesar de ter passado momentos gloriosos na Tijuca como em 2004 e em 2005. Aquela foi só uma consagração?

Ivone Gomes – Vou na parte da manhã para arrumar as roupas das baianas para entrega, procuro não pensar muito, mas na hora em que estou me arrumando, vai dando aquele friozinho e quando entro, vou com a certeza de que deu tudo certo, aquela confiança em tudo, nos carros preparados, nos componentes cantando, na harmonia trabalhando. Quando termina, é aquele alívio, foi tudo melhor do que sonhava. O povo todo gritando é ‘campeã’, não tem sensação melhor. Claro que a última nota 10, aquela para fechar as notas para o campeonato, é muito melhor (risos). Não por crítica, mas por dever cumprido. Meu dever é vestir da melhor maneira os componentes com uma fantasia que eles se sintam bem no desfile.

OBatuque.com – Você teve uma passagem também importante no Império da Tijuca, como foi a tua vivência no Imperinho? E por que você saiu?

Ivone Gomes – No Império da Tijuca fui baiana, depois saí para me dedicar somente à Aprendizes. Lá pelos anos da (Avenida) Venezuela, conheci a família Teles, meu amigo Presidente Tê, e voltei só para colaborar. Fui da harmonia, saí de camisa e depois tive a ideia de convidar o grande destaque João Hélder para abrilhantar a escola. Com ele, fui também para o carro, uns 2 ou 3 anos. Depois quando ele saiu de lá, saí junto. Amo a escola, o presidente, os filhos dele são meus amigos e a esposa Cristina é minha amiga também. Mas hoje não tenho mais esse pique todo, minha vida se resume à Unidos da Tijuca e me dedico de corpo e alma.

OBatuque.com – Você tem um carinho e uma admiração muito grande pelas baianas. Você acha que elas deveriam ser julgadas, e em função disso seriam mais respeitadas? 

Ivone Gomes – Sim. Elas não dão pontos, mas tiram. Engraçado, né? Não sei se seria bom para elas serem julgadas. A ala é muito difícil. Muitas senhoras com problemas da idade, algumas até aguentam, como aconteceu este ano. Além disso, é difícil encontrar baianas. Minha paixão por baiana é muito grande e já passei para o meu filho mais velho, que faz questão de me ajudar e vir com elas para a avenida. Poderia ser, porém elas hoje em dia se fizeram respeitar, aqui mesmo são todas respeitadas e conhecidas da direção. Peço a elas que venham ao barracão cuidar de suas anáguas. Elas ajudam a colocar (as fantasias) no caminhão e fazem com muito gosto.

OBatuque.com –  Você falou em dificuldades para encontrar baianas. Quais os motivos que levam a isso?

Ivone Gomes – Algumas ficaram sem condições de desfilar por um joelhinho mal aqui, uma labirintite ali, outra com veias entupidas… Fora, as que viraram evangélicas. Cansaço e peso das roupas também. Muitas mulheres não querem ser baianas, e quando falo, elas acham que as estou diminuindo. Aí pulo logo e penso: ‘Essa não seria uma boa baiana’. Tenho algumas novinhas que gostam mesmo.

OBatuque.com – Tudo isso não aconteceria sem a tua competência.

Ivone Gomes – Não é competência, é amor mesmo. É muito amor pelo que faço. Amor pelas baianas, pela escola, por tudo… E graças a Deus tenho minhas meninas que me ajudam, são maravilhosas e sem elas, eu não seria ninguém. Uma é minha cabeça, a outra são meus braços, outra são meus olhos. São elas que me ajudam a ir à frente.

Na sala de troféus da Tijuca

OBatuque.com – Na Tijuca, como falamos lá atrás, você faz um papel entre a comunidade e os componentes, entre a diretoria e a Direção de Carnaval. Tendo em vista que muitas vezes, na escola, é preciso ser duro, como conciliar essa dureza e o amor com os componentes, em razão de você ser uma pessoa adorada por toda a agremiação?

Ivone Gomes – É difícil e não é ao mesmo tempo. Às vezes consigo fazê-los entender que para mim é um trabalho, onde tenho um chefe a quem lhe devo obediência e procuro conviver com os que gostam e os que não gostam. Na maioria das vezes, muitos acabam entendendo, e até os que não gostavam passaram a gostar. Por outro lado, alguns continuaram a não gostar, mas respeito a todos sem distinção. Às vezes até esqueço que determinada pessoa não gosta, mas a trato bem do mesmo jeito.

OBatuque.com – Ivone, foi muito bom entrevistá-la. Você nos passou muitas coisas dos bastidores do carnaval e de fatos que acontecem longe dos holofotes. Muito obrigado!

Ivone Gomes – Escrevi minha verdade, sou transparente e digo o que sinto. Quero agradecer ao meu presidente Fernando Horta pela confiança de tantos anos, à sua diretoria e aos meus companheiros de trabalho. Muito obrigado ao OBatuque pela oportunidade.

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