Cantor e compositor Rico Medeiros: “Nossa Senhora!”
Foto: Arquivo Pessoal /Divulgação
Por Luis Leite
Nascido em Niterói, Nilzo Medeiros, popularmente conhecido como Rico Medeiros, começou sua trajetória no mundo do samba na Estação Primeira de Mangueira. Além de ser cantor “de meio de ano”, participou de vários programas de calouros na TV como o Cassino do Chacrinha, Carlos Imperial, Jair de Taumaturgo, César de Alencar entre outros, sendo o primeiro colocado em todos.
Na Mangueira, em 1975, ganhou o concurso de melhor puxador de samba, na qual também defendeu o samba campeão dos compositores Tolito e Rubens da Mangueira que descreveram o enredo “No Reino da Mãe do Ouro”. Rico passou a ser o primeiro puxador de samba da Verde e Rosa dentro da quadra. No entanto, na avenida, o cargo era reservado para o intérprete oficial Jamelão que na época não participava das gravações originais dos LPs de sambas-enredo devido os conflitos das gravadoras. Sua primeira gravação de samba-enredo foi da Flor da Mina do Andaraí, que à época desfilava ainda como bloco carnavalesco.
Para sua decepção depois de ter gravado no estúdio o samba da Verde Rosa para o Carnaval 1976, os produtores excluíram sua voz do disco e colocaram a voz de Rubens da Mangueira, irmão de Zuzuca do Salgueiro. Rico pensou em desistir do carnaval porém, logo em seguida gravou no LP “Carnaval 77 Ensaio Geral”, o samba “Nossa querida Mangueira”, do compositor Ney e o álbum “Os Melhores Sambas-Enredo 1977 – Ala dos Compositores”, na faixa “Vamos falar de saudade”, dos autores Jonas, Djalma e Tião Grande.
No Acadêmicos do Salgueiro se notabilizou e passou a ficar conhecido como Rico Medeiros. Rico foi levado pelo compositor Renato de Verdade para defender sua obra que concorria na agremiação para o carnaval de 1978 ,consagrando o samba campeão na quadra e na avenida, cujo enredo era “Do Yorubá à Luz, à Aurora dos Deuses”, a obra também foi vencedora do Estandarte de Ouro de melhor samba, prêmio oferecido pelo “Jornal O Globo”.
No ano de 1978, Rico Medeiros passou a ser a voz oficial do Salgueiro tanto na avenida quanto na gravação do disco de samba-enredo sucedendo Noel Rosa de Oliveira. Nesse período, o cantor gravou pela gravadora RCA Victor o sucesso “Blusa Amarela”, de sua autoria e em parceria com Moacyr M.M. O samba foi muito tocado nas rádios no final da década de 70 e no início dos anos 80. A obra também foi gravada pelos grupos Originais do Samba, Banda Rio-Copa e o Terra samba. Além de ter suas músicas gravadas por Neguinho da Beija-Flor “Deixa eu te amar mais uma vez”, no LP Meu Mundo Novo ano de 1983, e Reginaldo Terto, no LP Carnaval 83 (Vol.2) Subindo nas paredes.
Já intérprete no Salgueiro, no final ano de 1980 para o carnaval 1981, ele gravou no LP de sambas-enredos das escolas do grupo 2B duas faixas: Unidos de Nilópolis e Unidos de Cosmos. Fora do Rio de Janeiro no ano seguinte, foi intérprete oficial da agremiação Embaixada do Morro, uma das mais tradicionais e vitoriosas escolas de samba de Guaratinguetá, em São Paulo, onde gravou e seguiu puxando samba nos anos de 1982,1983,1984,1985,1987,1988 e 1990 pela Vermelha e Branca.
No ano 1982 após o retorno ao carnaval 1983 no Acadêmicos do Salgueiro, Rico criou dentro do estúdio Hawaí o alusivo no samba com o seguinte refrão: “O carnaval é a maior caricatura, na folia o povo esquece a amargura”, com enredo “Traços e troças”. Nesse ano teve sua voz na gravação do samba-enredo do Boêmios da Madama, agremiação do carnaval de Niterói.
Como político, Rico foi vereador em São Gonçalo-RJ entre 1982 e 1988. Nessa etapa, como puxador oficial do Salgueiro, ele gravou o samba-enredo da Lins Imperial, do Grupo A, para o carnaval 1985, mas não pôde desfilar na escola devido ao falecimento de seu pai. Seguiu com o Salgueiro, onde permaneceu como intérprete por lá até o carnaval de 1986. Nesse ano, Rico prestou uma homenagem ao compositor Bicho de Pena, apelido de Pedro Correia de Carvalho, o Pedro Marreco (1957-1987), chamado pelos jornais da época de Dono do Morro, entoando na gravação do samba-enredo do Salgueiro “Alô, Bicho de Pena!”, o tema era “Tem que se tirar da cabeça aquilo que não se tem no bolso” – tributo a Fernando Pamplona. Nesse ano participou do LP-álbum da Simone “Amor e Paixão”, na faixa “Rei por um dia” com os puxadores do samba.
Em 1987, após ser dispensado pelo Salgueiro, teve uma breve passagem pela Imperatriz Leopoldinense a convite do presidente Luiz Pacheco Drumond. Na escola de Ramos, cantou no carro de som com Alexandre D’Mendes. No mesmo ano gravou o samba-enredo da escola de Manaus Vitória Régia.
Dois anos mais tarde, retornou para o Salgueiro, passando a ser o segundo do carro de som ao lado do puxador Rixxa. Desde então sua última passagem como intérprete oficial da Vermelha e Branca da Tijuca foi em 1990 com o enredo “Sou Amigo do Rei”. Nessa fase gravou para o carnaval 1991 no LP das escolas de samba de Manaus o samba-enredo do G.R.E.S Jovens Livres.
Voltando para sua cidade natal, em 1993, Medeiros foi o segundo puxador ao lado do Quinzinho no carro de som da Unidos do Viradouro, também participou da coletânea “Escola de Samba”, da gravadora Sony Music, no LP do Acadêmicos do Salgueiro, cantando o samba “Quilombo dos Palmares”, de 1960.
Já fazendo parte da Ala de Compositores e também intérprete oficial da Unidos do Viradouro, Rico participou das disputas de sambas-enredos dois anos consecutivos, saindo-se vencedor com a parceria de Gilberto Fabrino, Jorge Baiano e PC Portugal, com o enredo “Tereza de Benguela, uma rainha negra no Pantanal”. Nesse ano 1994, a escola obteve o terceiro lugar no desfile, e no ano de 1995, ganhou com o compositor José Antônio Olivério mais a junção da parceria de PC Portugal. O enredo era “O Rei e os três espantos de Debret”. Já em 1999 defendeu o samba campeão da parceria de Dadinho na Viradouro e também no ano 2002 o samba-enredo composto por Jacy Inspiração, Celso Tropical, Rogerão e Gilberth Castro no Acadêmicos do Cubango. Em 2010, foi intérprete da escola de samba de Niterói Souza Soares. No último carnaval, gravou e puxou o samba do Acadêmicos da Pedreira, escola onde canta por mais de 30 anos em Belém do Pará.
OBatuque.com – Por que o apelido de Rico?
Rico Medeiros – Na minha época de cantor, quando eu cantava em tudo que era programa, eu conheci uma pessoa que passou a ser meu padrinho. Ele tinha o apelido de Gordurinha e achava que Nilzo não era nome de cantor, então achou melhor colocar o meu nome artístico de Rico Medeiros.
OBatuque.com – Conte como começou sua trajetória no mundo do samba como cantor?
Rico Medeiros – Foi em 1973 quando tudo começou. Eu, desde garoto, já cantava músicas de meio de ano, cantei em vários programas de calouros na TV como Chacrinha, Carlos Imperial, Jair de Taumaturgo, César de Alencar entre outros, sendo o primeiro colocado em todos.
OBatuque.com – Em 1975 você ganhou o concurso de melhor puxador de samba na Mangueira, conte como foi essa experiência?
Rico Medeiros – Um belo dia alguém falou pra mim: “Por que você não vai lá na Mangueira? Está tendo um concurso de melhor puxador de samba-enredo, já que você ganha samba em tudo que é lugar”. Então resolvi me inscrever, nesse ano eu disputei com mais de 50 candidatos. Cada semana tinha eliminação até eu chegar entre os cinco finalistas do concurso, tornando-se o grande campeão. Passando a ser o primeiro cantor da Mangueira com direito a gravar e defender na quadra o samba-enredo, mas quando chegasse na avenida eu seria o segundo cantor, porque Jamelão era o primeiro. Nessa época, Jamelão não gravava e nem defendia samba-enredo oficial da Verde Rosa.
OBatuque.com – No ano 1976, mesmo não tendo sua voz gravada no LP dos sambas-enredos, por que optaram por colocar a voz do compositor Rubens da Mangueira?
Rico Medeiros – Assim que eu passei a ser o puxador da Mangueira, um dos compositores da obra vencedora, com o enredo “No reino da mãe do ouro”, pediu para eu gravar o samba em lá maior, até porque nessa época eu não entendia e nem sabia nada de tonalidade de samba – talvez tenha sido um dos motivos. Quando cheguei ao estúdio, o maestro perguntou pra mim: “Qual o tom do samba?”. Eu respondi pra ele que era lá maior, levei escrito as notas do acorde e gravei o samba. Depois de alguns dias eu fui ouvir a gravação, minha voz não estava no disco. O próprio compositor Rubens pediu para apagar a minha voz e colocar a dele, e ninguém da diretoria tomou partido.
OBatuque.com – Como foi sua chegada no Salgueiro em 1977 levado pelo compositor Renato de Verdade, conte como foi essa história?
Rico Medeiros – Então, eu já estava decepcionado por ter tirado minha voz da faixa do disco de samba-enredo do Carnaval 1976, depois disso pensei assim: não quero mais saber de escola de samba, porque não existe ninguém honesto. Um belo dia, eu estava em casa quando alguém bateu em minha porta me procurando. Era o compositor do Salgueiro Renato de Verdade pedindo para eu defender o samba dele na quadra. Ele falou assim pra mim: “Caso esse samba ganhe no Salgueiro, você vai ser o puxador da escola, porque o presidente vai dar esse direito, até então o que aconteceu com você na Mangueira todo mundo tomou conhecimento”. Aí eu peguei a letra do samba e coloquei a melodia. O samba foi campeão e passei a ser o puxador oficial do Salgueiro, assim nasceu Rico Medeiros. O samba foi trilha sonora do filme “007 Contra o Foguete da Morte”.
OBatuque.com – Como foi que você criou o alusivo no samba?
Rico Medeiros – Eu criei, lançando os gritos de guerra: “Nossa Senhora!”, “Simbora, Salgueiro!”, Explode, Salgueiro!”. No ano de 1982, eu estava na Espanha e falei com os amigos: quando eu voltar ao Brasil vou mudar essa chamada, porque todos os puxadores estão fazendo igual. Nesse mesmo ano, voltando de viagem, eu cheguei no estúdio Havaí para gravar o samba-enredo do Salgueiro, para o Carnaval 1983, quando o maestro Gino iria dar a introdução, eu pedi a ele fazer uma acorde sol maior eu gritei assim: “O carnaval é a maior caricatura, na folia, o povo esquece a amargura”, então eu, Rico Medeiros, em 1982 lancei o alusivo no samba.
OBatuque.com – No Salgueiro, você passou a ser intérprete oficial em 1978 e ficou até 1986. Por que você foi dispensado?
Rico Medeiros – Porque no carnaval de 1986, em Belém do Pará, eu puxei em duas escolas de samba no mesmo dia, o Acadêmicos da Pedreira e o Rancho não Posso me Amofiná assumindo o posto de Dominguinhos do Estácio que precisou viajar para cantar na Estácio de Sá. Então quando eu cheguei ao Rio de janeiro para puxar o samba do Acadêmicos do Salgueiro, cheguei muito cansado e fui para avenida 50%, mas tive a felicidade de receber nota máxima dos jurados. Foi assim que o Senhor Miro, patrono da escola, com toda razão me dispensou do Salgueiro por eu ter puxado samba em duas escolas.
OBatuque.com – Nesse mesmo ano, durante a gravação do samba-enredo do Salgueiro, você prestou uma homenagem ao compositor Bicho de Pena, chamado pelos jornais da época de Dono do Morro, conta como foi esse desfecho?
Rico Medeiros – Então, cada ano eu criava alguma coisa para valorizar a obra dos compositores, até porque todo o samba-enredo do Salgueiro eu mexia na gravação, e o compositor Jorge Melodia não gostou do que eu fiz, além de eu fazer um chamado no samba: Alô, Bicho de Pena! Sem eu saber, ele mandou chamar o Bicho do Morro, que também fazia parte da parceria, para ir ao estúdio Transamérica, saber o motivo da mudança da linha melódica do samba. Chegando lá, o Bicho pediu ao técnico para tocar o samba e perguntou para o Jorge: “Você mandou me chamar pra ver o quê? O samba está dez vezes melhor do que estava”, logo em seguida o Bicho apertou a minha mão parabenizando o meu trabalho. Foi assim que eu subir no conceito do homem.
OBatuque.com – Em 1982 você foi vereador de São Gonçalo, por que você optou pela política naquele ano?
Rico Medeiros – Eu fui vereador de 1982 até 1988. Então, não fui eu que optou pela política, foi a política que optou por mim. Nesse ano, eu cheguei de viagem da Espanha, e a cúpula do PDT foi à minha casa pedir ajuda, para eu participar da campanha política do partido, pois eu tinha chance de ser vereador. Faltando alguns meses para as eleições, sem saber nada de política, eu aceitei o convite. Dentro de três meses eu consegui fazer dois mil e poucos votos, sendo o sexto mais votado dentro município. Dali pra frente comecei a minha carreira como político.
OBatuque.com – Após a política e o Salgueiro, você foi para a Imperatriz e depois para a Viradouro, inclusive foi vencedor de dois sambas nesta escola, como tudo aconteceu?
Rico Medeiros – Eu fui para a Unidos do Viradouro a convite do presidente José Carlos Monassa, em 1993, cantei no carro de som junto com Quinzinho e nesse mesmo ano passei a fazer parte da Ala de Compositores e convidei Cláudio Fabrino, Paulo César Portugal, Jorge Baiano e fizemos o samba na minha casa, eles vieram com a letra do samba, e eu com a linha melódica. O enredo era em homenagem a “Teresa de Benguela”. No ano seguinte, tive o prazer de ganhar novamente, mas dessa vez junto com o compositor José Antônio Olivério. O meu samba teve a fusão com o refrão da parceria de PC Portugal.
OBatuque.com – Depois disso, Rico Medeiros não cantou mais na Sapucaí, por quê?
Rico Medeiros – Eu já estava cantando contra a minha vontade. Por isso acabei abandonando o samba. Tive várias decepções.
OBatuque.com – Como você vê a quantidade de intérpretes num carro de som?
Rico Medeiros – Hoje é um gritando mais do que o outro, e você não sente a linha melódica do samba funcionar na avenida. Ou seja, a definição da melodia.
OBatuque.com – Como você avalia a compra de um samba em detrimento da ala de compositores?
Rico Medeiros – Hoje e muito relativo. No meu tempo, quando eu era cantor e trabalhava na ala de compositores do samba, chegava um candidato pedindo ao presidente pra ser compositor da escola, ele dava um papel e uma caneta e mandava o cara escrever o samba na hora. Aquele que pelo menos fizesse três estrofes tinha uma chance na agremiação. Hoje virou comércio qualquer um pode ser compositor é quem dá mais.
OBatuque.com – Fale-me sobre o Acadêmicos da Pedreira, escola de samba de Belém do Pará aonde você canta a mais de 30 anos?
Rico Medeiros – Eu canto no Acadêmicos da Pedreira desde 1982. Então, todo o fim de ano eu viajava para desfilar na escola, até porque o carnaval de lá ocorre uma semana antes do nosso. Tive a felicidade de ser campeão pela Vermelha e Branca, se não me falha a memória, umas quatro ou cinco vezes, e no desfile de 2019 marcou o meu retorno e também da agremiação ao carnaval de Belém, depois de dez anos fora da avenida. Agradeço ao presidente Waldir Fiock (Rudar), onde eu tenho um enorme carinho e respeito pela sua pessoa, aos componentes e principalmente ao povo da Travessa Timbó, do Bairro Pedreira que sempre me apoiou desde o início e pretendo encerrar a minha carreira de intérprete no Acadêmicos da Pedreira, escola que eu amo em Belém do Pará.