Vila Isabel já tem enredo para 2026

A Unidos de Vila Isabel anunciou neste sábado (10) o título do enredo que levará para a Sapucaí no Carnaval 2026. Em “Macumbembê, Samborembá: Sonhei que um Sambista Sonhou a África”, a escola homenageará Heitor dos Prazeres, a quem é atribuída a criação dos termos “Pequena África” e “África em miniatura” para se referir à região da antiga Praça Onze. Foi ali que o samba carioca cresceu e se consolidou, em pontos como o terreiro de Tia Ciata e a Pedra do Sal, onde a agremiação realizou o evento de lançamento do enredo. O tema será desenvolvido pela dupla de carnavalescos Gabriel Haddad e Leonardo Bora.
Bora explica que o enredo não é uma biografia convencional, mas um olhar onírico – um mergulho nos sonhos do sambista-pintor: “Em um documentário gravado em 1965, no seu ateliê de pintura, Heitor enfatiza a dimensão do sonho para o seu trabalho. Tudo ele sonhava. Este foi o fio que decidimos usar para a costura do enredo: o ato de sonhar o samba, o desejo de sonhar uma vida mais festiva, colorida, comunitária. Ele sonhou com uma África no coração da Primeira República – uma África em festa, cuja população se reúne para cantar, dançar, comer, fazer macumba. Uma população que sabe ser aguerrida quando é preciso, nunca deixando de ir à luta, inclusive para defender o direito de sambar e fazer macumba numa época de repressão. Nas palavras dele próprio, samba e macumba se misturam desde sempre. Por isso, o título do enredo é uma brincadeira sensível e nostálgica.”
“Macumbembê, Samborembá” é uma expressão adaptada da letra da canção Tia Chimba, uma embolada composta por Heitor em parceria com Paulo da Portela. “Sonhei que um Sambista Sonhou a África” sintetiza o olhar do artista para o seu território, dialogando com a memória da Vila e com a poética de Carlos Drummond de Andrade, autor do poema Sonho de um Sonho, transformado em enredo em 1980.
“Martinho da Vila e parceiros transformaram o poema em um samba belíssimo. Além disso, Drummond e Heitor foram amigos, tanto que Heitor presenteou Drummond com um quadro e Drummond dedicou dois poemas ao sambista. Essas são algumas referências que costuramos para contar essa história”, explica Bora.
A história por trás do enredo
A ideia dos carnavalescos de homenagear Heitor surgiu há alguns anos, mas se concretizou graças a um conjunto de felizes coincidências. “Transformar o universo poético de Heitor dos Prazeres em enredo do Grupo Especial era um desejo que eu e Leo nutríamos na gaveta. Em 2023, nós tivemos a alegria de participar da exposição ‘Heitor dos Prazeres é meu nome’. Naquela ocasião, pesquisamos bastante o universo de Heitor e criamos uma grande instalação chamada Roda-Gira. Foi um encantamento! Para a nossa felicidade, descobrimos que esse enredo também era um desejo da presidência da Vila Isabel. Além disso, nosso amigo pessoal e colega de trabalho Vinícius Natal, pesquisador da Vila, também já escreveu sobre Heitor, ou seja, foi um feliz encontro. Era para ser nessa escola, cujas calçadas são musicais!”, destaca Haddad.
No ano de estreia da dupla de carnavalescos, o presidente da agremiação, Luiz Guimarães, falou sobre as expectativas para o Carnaval 2026: “A administração está totalmente empenhada e dedicando todos os recursos necessários para que possamos conquistar a nossa quarta estrela. Acredito muito nesse enredo e nos profissionais que o desenvolverão. Agora, contamos com a força, a garra e o apoio do povo de Noel para fazer deste o ano da nossa glória.”
A grandiosidade de Heitor dos Prazeres e as conexões com a Vila
Pintor, capoeirista, poeta, cenógrafo, figurinista, ator e multi-instrumentista, Heitor dos Prazeres dominava todas as artes, como explicou o pesquisador Vinicius Natal. “Heitor foi muitos em um. Talvez as pessoas o associem mais diretamente ao ofício de pintor, mas o fato é que ele começou a pintar tardiamente. Antes de ser um mestre dos pincéis, expressando em muitas cores a modernidade carioca, ele foi Ogã no terreiro de Tia Ciata, participou dos primeiros Ranchos, ajudou a fundar várias escolas de samba (Deixa Falar, Portela, Mangueira, entre outras) e foi o campeão do concurso de sambas organizado pelo pai de santo Zé Espinguela, em 1929, que aconteceu, portanto, antes do primeiro desfile oficial. Será que as pessoas sabem que ele participou das duas primeiras edições da Bienal de Arte de São Paulo e teve uma tela adquirida pela Rainha Elizabeth II? Esses dados mostram que a produção desse sambista, cujos pais tinham sangue baiano e cultuavam os deuses africanos dentro de casa, é algo extraordinário. O enredo da Vila vai contribuir para o processo de reposicionamento desse artista no cenário brasileiro, celebrando as muitas Áfricas que coexistem no Rio e trazendo de volta os perfumes dos grandes carnavais da nossa escola, que é, indiscutivelmente, um quilombo em azul e branco”, arremata o pesquisador.
Durante a pesquisa, as conexões do enredo com a Vila Isabel se revelaram ainda mais profundas, o que surpreendeu os carnavalescos. “Que Heitor dos Prazeres e Noel Rosa foram bons amigos e compuseram juntos a marcha ‘Pierrô Apaixonado’, um sucesso absoluto, disso muita gente sabe. Martinho da Vila gravou a música, o que já seria uma boa justificativa para a escolha do enredo, mas as conexões são mais fascinantes. No último ano de sua vida, quando Heitor atravessou o oceano e finalmente conheceu a África, para representar o Brasil e participar do Primeiro Festival Internacional de Artes Negras no Senegal, a Vila Isabel foi com ele. Foi com ele em forma de cinema, porque os dois documentários brasileiros exibidos no Festival foram Heitor dos Prazeres, de Antônio Carlos da Fontoura, e Nossa Escola de Samba, de Manuel Horácio Gimenez, um filme que mostra os preparativos do carnaval da Vila para o desfile do Quarto Centenário da cidade. Era a cereja que faltava, a confirmação que a gente sempre busca quando está prestes a definir um enredo”, finaliza Haddad.
A sinopse do enredo será divulgada em breve. A Unidos de Vila Isabel será a segunda escola a desfilar na terça-feira de Carnaval.