Torcida e nome de autor são critérios para julgamento na disputa de samba-enredo?

Torcida e nome de autor são critérios para julgamento na disputa de samba-enredo?
Reprodução da internet

Quais são os verdadeiros quesitos para isso?

Por Wander Timbalada*

É preciso realmente essa pergunta diante de um elemento que norteia todos os desfiles das escolas de samba do Brasil, além de ser a apresentação audiovisual do “enredo proposto” composto pelos compositores para a escola se apresentar ao público em geral e principalmente aos jurados.

Em algumas situações são colocados como critérios, em certas agremiações, os seguintes itens para julgamento: letra, melodia, harmonia e fidelidade ao enredo.

Em outras ocasiões, esses critérios podem mudar de acordo com a agremiação e principalmente com a pessoa responsável pelo processo seletivo, que em muitas das vezes são os diretores de carnaval da escola e é justamente esse o ponto crucial da qual irei abordar.

Até hoje não se sabe realmente se a seleção dos sambas-enredos segue os critérios técnicos para a sua escolha, e o que vemos hoje é uma avalanche de elementos sendo levados em conta para a escolha, que acaba colocando em dúvida se realmente o melhor samba foi o vencedor.

São torcidas enormes sendo contratadas, camisas, fogos frios e de artifício, ônibus, intérpretes do Grupo Especial. O que mais intriga os tais âncoras do samba, são artistas renomados assinando essas parcerias para trazer notoriedade e mídia para a obra, tirando totalmente o foco daquele humilde compositor da comunidade que nasceu, foi criado ali e só tem aquele momento efêmero para amostrar a sua arte.

Torcida durante a disputa de samba no Salgueiro – Foto: Anderson Borde

A cada dia, a importância da ala de compositores dentro de uma escola de samba está se esvaindo, sendo dizimada e ameaçada de extinção por conta dessa situação, não só por esse processo, como também pelos sambas de encomenda que tiram de vez o direito da ala dos compositores de atuar, tendo em vista que na maioria das vezes essa encomenda não é feita com autores da escola.

As torcidas, na verdade, não são da comunidade. Elas são de outros bairros distantes dali, e para ratificar o meu pensamento, quando o samba é escolhido, a quadra fica vazia. Talvez isso explique o motivo pelo qual os grandes sambas não são cantados pelos sambistas após o carnaval, em razão da falta de sua essência, da relação com as comunidades e sobretudo com a falta de comprometimento de quem escolhe, que não prima pela qualidade e pela lisura da competição como um todo.

Todos nós, sambistas de fato, somos sabedores de que o verdadeiro compositor da escola de samba, na maioria das vezes, nasceu e cresceu dentro daquele bairro e/ou próximos à localidade da agremiação, e é esse o motivo que lhe faz um filho da casa, um pilar e um elo importantíssimo dentro dos segmentos de sua escola, pois sem essa conexão não se tem o samba que é o elemento essencial para o grande momento efêmero que vive todos os anos, tanto a escola, quanto o seu filho e o pai, o compositor. Por isso é preciso preservar essa essência, esse precioso mantenedor da cultura e da existência do carnaval brasileiro, haja vista que sem samba não há carnaval, não tem desfile e nem tão pouco algo que represente o audiovisual da proposta do enredo, nessa grande peça teatral ao ar livre que é o nosso carnaval.

Arquivo/OBatuque.com

Isso me dá base para fazer algumas perguntas: Será que esse elemento está realmente sendo tratado devidamente? Será que esse pilar das escolas de samba está mantido? Será que as escolas de samba estão no caminho certo em relação a esses aspectos?

O saudoso Laíla, com certeza, foi uma pessoa que lutou com unhas e dentes pela valorização do compositor e do verdadeiro sambista dentro das agremiações por onde passou. Ele ouvia todos os sambas. Ele era incapaz de jogar fora um grande samba por se deixar levar por torcidas organizadas e por escritórios mafiosos dentro do processo das disputas de samba-enredo, porque tinha realmente propriedade intelectual e musical de fato para saber o que era melhor para a sua agremiação. E ainda sim, quando ele via que podia extrair de um samba algo que completasse o outo, ele fazia uma junção e várias vezes foi muito feliz com isso.

Pelo o que eu vi, Laíla acertou mais do que errou; os números comprovam isso. Uma das coisas que eu gostaria de citar sobre o Laíla é que ele nunca se rendeu à questão dos escritórios de sambas-enredos, os nomes e pedras marcadas como âncoras, e se isso aconteceu, eu não tive conhecimento, até porque ninguém ganhava no grito com ele, e sim com o samba. Sua avaliação era rigorosa e de alto nível.

Vi muitas vezes sambas sem uma torcida organizada chegarem à final e saírem vencedores com ele à frente do processo seletivo. Uma vez na Beija-Flor, ele me colocou para julgar e depois batemos um papo sobre isso, e ele me disse uma coisa que guardo comigo como uma grande referência para tal processo: “Amigo, canto harmônico se ensaia depois do samba ser escolhido, agora aqui, nesse momento para mim o que vale são as divisões harmônicas e melódicas apresentadas, sem atropelos e saltos harmônicos e o mais importante: a aceitação da comunidade. É esse o caminho para se escolher o melhor samba”.

Outra demonstração de preocupação em preservar a ala de compositores foi em 2020 por uma das mais tradicionais escolas de samba do planeta, como dizia o nosso saudoso Luizito. O GRES Estação Primeira de Mangueira proibiu a entrada de torcidas organizadas e intérpretes de outras escolas na disputa do samba-enredo. A gravação foi feita pela escola com o valor arrecadado na taxa de inscrição, que financiará todos os custos das parcerias no concurso, tais como: estúdio, músicos, prospectos e intérpretes, que serão os integrantes do carro de som da Verde e Rosa.

O argumento usado pelo carnavalesco Leandro Vieira foi o seguinte: “O compositor é o agente principal do desfile e tem sido esvaziado por causa do poder do capital. As disputas viraram uma indústria e para combater essa situação, faremos uma disputa onde o poder do dinheiro não terá lugar”, disse o Leandro Vieira, que planejou as novas regras do concurso juntamente com o presidente Elias Riche.

Chopp – Arquivo Pessoal

Fui buscar também esse entendimento com dois grandes diretores de harmonia do carnaval: Sidney Machado, de 80 anos, mais conhecido como Chopp, e Hélio Fructuoso, de 83 anos, carinhosamente chamado de Tio Hélio, que passou por diversas escolas dos grupos de Acesso e Especial, com destaque para Imperatriz Leopoldinense, União da Ilha e Unidos da Tijuca.

“Eu sou totalmente contra as torcidas organizadas nas disputas de samba-enredo, porque o que tem que valer na verdade é a obra e não a torcida e nem o nome do autor, que é outra coisa que na minha opinião não pode influenciar nessa escolha. Quando o samba vencedor contrata essas torcidas de outros lugares, sem ser da comunidade da escola, o que a gente vê, na verdade, depois que passa a escolha do samba-enredo, sendo ele mal escolhido, a quadra fica vazia. E aí cadê aquelas pessoas que eram pagas pra cantar o samba? Cadê a comunidade dentro desse processo e contexto que uma mola propulsora para um bom desfile”, explicou Chopp.

Tio Hélio – Arquivo pessoal

Tio Hélio, seguindo o mesmo pensamento de Chopp, afirma que nunca foi a favor das torcidas organizadas nas disputas de samba-enredo, porque acredita no teor e na qualidade da obra e não no volume criado por torcidas organizadas e vai além: “É preciso mudar essa visão e formato de julgamento, pois isso tem tirado o direito do autêntico e verdadeiro sambista e compositor de fato. Eles devem ter pelo menos o direito de ter a sua obra brigando em igualdade com as demais que têm estrutura. O grande mestre Laíla faz realmente falta dentro desse processo, mesmo tendo hoje alguns diretores de carnaval seguindo os seus ensinamentos”.


Foto: arquivo pessoal

* Wander Timbalada é compositor, intérprete, produtor musical, colunista e hoje presidente da gravadora Fábrica de Som Music Ltda., que luta por dar oportunidades aos novos talentos da Baixada Fluminense para a nossa MPB. Com o foco em sempre contribuir para a cultura do país, Wander escreveu para OBatuque.com este artigo que serve como alerta para os responsáveis por esses elementos tão importantes para o carnaval: o compositor e a ala de compositores.

3 comentários sobre “Torcida e nome de autor são critérios para julgamento na disputa de samba-enredo?

  1. Wander Timbalada, meu amigo irmao, vc acertou a agulha na veia, retirou o sangue e fez um perfeito DNA, mostrou com coragem os desmandos e descontroles que hoje passam os compositores, que juntos com a bateria sao nada,mais nada menos que a propria escola. PARABENS PELA CORAGEM VC E GRANDE, porque todos nao sao como vc?

  2. Os grandes diretores das Escolas de Samba os escritórios do Samba estão acabando com as Alas de compositores os poetas cria da comunidade não querem mais fazerem sua obras não temos condições de competir com os escritórios do Samba e suas torcidas organizadas.

  3. Olha O Que Foi Abordado Explanado Com Maestria Pelo Sr. Wander Timbalada Já Vem De Décadas A Se Praticar…Fiz Parte De Ala De Compositores Que Juntos A Bateria Coração Do Samba Eram As Molas Mestres Das Escolas De Samba Lutei E Relutei Muito Contra O Fato De Se Abrir Ala De Compositores Para Gente Que Não Era Da Comunidade Ou Adjacências Da Escola A Participar De Disputas De Sambas Enredos A Não Ser Que Mostrasse Ser Bem Intencional A Sua Participação Fazendo Primeiramente Um Estágio De Dois Anos E Samba De Quadra Para Depois Disso Fazendo Parte Da Ala De Compositores Sendo Aceito Pela Mesma Apto E Autorizado A Fazer A Concorrer Com O Devido Samba De Enredo….Mas Com As Mudanças Advindas Das Presidências & Suas Respectivas Diretorias E Alguns Carnavalescos Vou Ser Sincero A Coisa Degringolou Ou Sejam Sambas Feitos Sob Encomrndas Com Torcidas Não Pertencentes As Agremiações Referidas Tomaram Conta Do Nosso Mais Tradicional Sejam Acabaram Na Sua Maioria Com A Ala De Compositores Mestre Láila Salgueirense De Fato & Depois Beija-flor Dizia Bem Eu Não Aceito Era Totalmente Contra INADMISSÍVEL INACEITÁVEL…Os Verdadeiros Escritórios De Disputar Em Quase Todas Agremiações Tirando Assim A Chance De Quem Nasceu Cresceu Lutou E As Vezes Até Fundou Ou Tem Famílias Ramificações Tradições Advindas Nas Escolas…Vou Ser Sincero Ou Se Muda Drasticamente A Maneira Que Impuseram As Escolas Ou Então Sucumbiremos Perderemos Tudo Ou Quase Primeiramente A Essência Da Qual Muitas Pessoas Já Admitem Tê-la Perdida…Vamos Dar Um Basta Nestas Verdadeiras Máfias Do Samba E Demonstrar O Que Se Aprende Somente Nas Escolas….O VERDADEIRO SAMBA DA COMUNIDADE…Maurício Gomes Compositor De Sampa…Saudações Sambisticas…!

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