Omolokô

Omolokô

Por Wander Timbalada

A nossa africanidade atravessou gerações e trouxe uma bagagem de sambas-enredos que se perpetuaram no carnaval por meio das escolas de samba. Se formos elencar aqui, não daria para falarmos de todos, porém uns marcaram época e até hoje são lembrados nas quadras de agremiações e rodas de samba. Seguem seus versos e tenho certeza de que você vai cantar por algum tempo:

Abram alas meus tumbeiros//aos sete portais da Bahia//é a arte negra que desfila com seus encantos e magias//da sua terra trouxeram a saudade da capoeira do berimbau//dos enfeites coloridos, do pilão colher de pau – “A arte negra da lendária Bahia”, Estácio de Sá 1976.

Muçurumim, nagô//Omolokô, Congo e Guiné//Atotô de Zambi-rei do Candomblé – “Mar Baiano em noite de Gala” – Unidos de São Lucas 1976.

“Bailou no ar//um ecoar de um canto de alegria//três princesas africanas na sagrada Bahia//Yá Kalá, Yá Deta, Yá Nassô//cantaram assim a tradição Nagô” – “Criação do Mundo na tradição Nagô”, Beija-flor de Nilópolis 1978.

O tempo passou e registrou ainda mais uma infinidade sambas-enredos que enredaram a cultura e a religiosidade afros no nosso carnaval rico e cultural.

Estamos em 2023 e partindo para o próximo ano, e várias escolas já definiram seus temas. Boa parte delas trará para os palcos de desfiles enredos baseados na africanidade religiosa.

Na coluna anterior, falei sobre Exu. Hoje venho falar, tenho certeza de que será de grande importância, esclarecimento e sobretudo de referência para todos aqueles que fazem parte do cenário afro-religioso aqui no Brasil.

A Nação Omolokô aqui no Brasil é de muita importância para a nossa cultura afrodescendente, porém é uma das mais mal-entendidas e não devidamente reconhecida pelas demais nações do nosso panteão do afro-religioso do Brasil.

Digo isso já apontando a questão da sua feitura, que erroneamente não é reconhecida por alguns desinformados, pelo fato de não se raspar a cabeça dos seus iniciados, conforme as demais nações do Candomblé brasileiro fazem.

Um outro motivo de referência, que não é reconhecido e nem citado em nenhuma outra nação, é o termo “Roça”, utilizado para denominar as casas de santo. Ela veio do Omolokô, pelo fato desse nome se originar das “Roças”, onde eram feitos os preceitos para o orixá Okô que dá origem ao nome Omolokô e também por ser o orixá que está ligado aos plantios, à agricultura, à terra arada e alimentada para gerar a fartura do homem, ou seja, mais um indicativo de que o Omolokô veio antes das demais nações aqui no Brasil. Então porque não respeitá-lo e reconhecê-lo principalmente como uma nação.

O Omolokô é subdivido em: Omolokô Bantu, Omolokô Macumba e Omolokô Nagô.

O Omolokô cultua orixá, sendo que sem subdivisões e sim de uma forma chama tutelados ao orixá central do axé da casa, exemplo: Ogum é Ogum, Xangô é Xangô sem a referência de nomes, e sim da energia do orixá. Na verdade, o Omolokô também cultua os caboclos, boiadeiros, pretos-velhos e exus que a Umbanda cultua.

Por isso, entende-se a diferença entre o Candomblé e a Umbanda, e o Omolokô, que é do Candomblé, cultua os orixás no caso da nação Keto, Efon (Efan), Nagô, Muçurumim e o Nkici (Inquice) na nação Angola e Vodus e na nação Jeje. Já a Umbanda cultua falanges e falangeiros, que são entidades evoluídas que vêm à Terra com as vibrações muito elevadas, mas não são diretamente orixás. Podemos citar como exemplo os caboclos, os bugres, os pretos-velhos, os boiadeiros, os êres e os exus catiços.

Podemos classificar o Omolokô como uma religião de ritualística própria e sincrética, que tem como base na sua prática os elementos: africanistas, espíritas e ameríndios, tendo a característica de cultuar os orixás africanos, sem subdivisões e sim com a sua pura essência e do seu nome.

Eu posso dizer que vi estrelasses ritualísticos acontecerem entre as nações Muçurumim e Omolokô. O Muçurumim por parte da senhora Maria Bamgbose, minha bisavó, e Omolokô por parte do senhor Tiãozinho das Almas, onde eu nasci e fui criado, escutando o grande mestre da época, o senhor Alabê Agnaldo, que cantava como ninguém essa essência do Omolokô.

Outras três grandes personalidades que representam essa linha são: Yalorixá Mariáde Amélia, Professor Benister e o Babalorixá Alexandre de Xangô.

Mariáde Amélia

Mãe Mariáde Amélia Henrique dos Santos (Okeamim) é iniciada há cerca de 50 anos no Omolokô e há 26 no Candomblé. Ela é minha querida e amada zeladora de santo na qual fui confirmado Ogan por sua Iemanjá Sobá há 35 anos. Mãe Mariáde foi filha de santo inicialmente de Iraci dos Prazeres Gomes, que lhe iniciou na Nação Omolokô. Quando Iraci partiu para o Orum deixou Mariáde Amélia aos cuidados da Oké Larokê Caynara Brás Augusto, filha do Babaribô José Luiz de Iemanjá. Mariáde foi educada espiritualmente por Vó Okê Laroquê, que faleceu em 2013 com a idade de 100 anos. Nessa grande família, Tia Surica iniciou no Omolokô há 77 anos. Ela foi mãe criadeira de Mãe Mariáde, elas são primas legítimas, fiéis e amigas mantendo viva a essência dessa árvore familiar e espiritual.

Mãe Mariáde diz que o culto do Omolokô chegou ao Brasil proveniente do Sul de Angola, onde era praticado por uma pequena tribo pertencente ao grupo Luanda-Quiôco, cujo significado Omolokô é: Omo = filho, Loko = referente ao orixá da agricultura Okô. Segundo alguns registros, uma africana chamada de Maria Batayo era uma escrava e filha de Nanã. Maria Batayo chegou ao Brasil nos idos de 1960 e deu uma grande contribuição a Tancredo da Silva Pinto para introduzir o culto do Omolokô aqui no país.

Mãe Mariáde cita, como grandes zeladores que cultuaram o Omolokô aqui com muita propriedade e força, os saudosos Managua, Kainaguá, Djalma de Lalú, Léia Maria Fonseca, Caribaldina, Yá Cleia de Oxóssi, Ricardina, Yá Mocinha, Alaíde de Omolu, Mãe Caribaldina, Caynara Braz Augusto, da Nação Keto, mais conhecida como Mãe Oké Laroquê.

Eles são grandes guardiões da Nação Omolokô e da cultura de matrizes africanas. Deles vieram toda a essa essência, então podemos dizer que somos frutos dessa raiz.

Nosso querido professor José Benister nos concedeu um depoimento que traz um pouco de informações importantes dessa rara Nação Omolokô:

José Benister

“Agradeço esse convite e vou lhe dizendo em princípio que o meu conhecimento sobre o Omolokô tem como base minha participação prática na casa de Gerson de Xangô (1913-1977), conhecido como Fugeco, sendo meus estudos através de pesquisas e depoimentos diversos com Djalma, Tancredo (1904-1979), Dila (1908-1990), e outros.

Tenho observado que não há uma unidade na modalidade de culto e nem do histórico do Omolokô. Denominações como Omolokô Nagô, Umbanda, Nagô, Macumba revelam formas sincréticas de culto.”

O ritual de Omolokô possui as mesmas entidades religiosas identificadas com a Umbanda, Candomblé e até o Catolicismo. Variando através da modalidade de práticas e ritos diversos. E por isso pode ser entendido diante da história de vida dos antigos africanos. Viviam “misturados” com linguagens diferentes.

A penetração branca se interessou o que fez ampliar a prática, com novas ideias de compreensão, muito embora continuasse perseguidas, como exemplo: a religião afro, aqui praticada pelo Candomblé, se diferencia em muito com a da África. As demais foram aqui criadas e em muito com variantes: Umbanda sincrética, de mesa, esotérica, Omolokô, branca etc.; Omolokô, nagô, macumba etc.; Candomblé, Ketu, Jeje e Angola. No caso do Candomblé, tudo é feito da mesma forma, apenas com linguagem diferente.

Eu tive a oportunidade de fazer um relato sobre a prática do Omolokô, em razão da forma religiosa não ser devidamente comentada. Ouvi seus cânticos perfeitos, alguns que eu conhecia bem. No Omolokô, tudo é cantado, rezado e pouco falado.

No fim do século retrasado, foi feita uma citação do ritual de Cábula, cultuada nos boques e locais afastados, conforme trecho do livro de Nina Rodrigues, escrito em 1901: “Há diversos desses espíritos protetores, Tata Guerreiro, Tata Rompe Mato, Tata Flor de Carunga”. Era uma prática que invocava espíritos de ancestrais denominados de báculo.

As reuniões eram escondidas no meio do mato e embaixo de grandes árvores.

Okô, em Yorubá, significa fazenda, roça e espaço afastado. A palavra Omolokô seria uma denominação de filhos, pessoas na roça e roceiros. A letra “L” está escrita e precisamos saber sua tradução. É a palavra “Ni” que pode significar o verbo ter, possuir, dizer etc. Quando usada antes de substantivo transforma-se em “L” (babalorixá, babalawo etc.).

Maria Batayo faleceu aos 129 anos, por volta dos anos de 1926, onde morava no Morro de São Carlos, no Bairro do Estácio.

De fato, os orixás não possuem subdivisões, alguns possuem denominações diferentes como Cinda (Oxum), Cita (Inhançã), Zambara (Xangô) e Canjira (Ogum).

A coroa une o que está abaixo dela e o que está acima. Separa o terrestre do celestial e o humano do divino. Símbolo de poder e luz. Símbolo da realeza do orixá. Essa coroa também me remete a um personagem do Omolokô, chamado Chico Rei.

Laço vermelho: os vínculos, que unem os membros de um corpo social, exprimem uma união até a morte ou além da morte. Porque o laço tem um formato de um oito deitado, não tem início e não tem fim; as flechas: instrumento dos Lunda Kiocos, que também tem relacionamento com a morte; as folhas: representam uma coletividade, unida numa ação coletiva, e num pensamento comum; uma tribo! Acredita-se que a Tribo Iocô pertencia a um grupo maior chamado Mane e que alguns de seus integrantes vieram escravizados para o Brasil e formaram o Omolocô.

Os povos Mane tinham como costume usar flechas envenenadas e arcos curtos, espadas curtas e largas, azagaias, dardos e facas, que traziam amarrados embaixo do braço. Para combater o veneno de suas flechas, em caso de acidente, usavam uma bolsinha com um antídoto. Avisavam aos seus inimigos o dia em que iriam atacá-los através de palhas – tantas palhas, tantos dias para o ataque. Traziam no braço e nas pernas correntes de ouro e prata.

“A família não é um mercado que vamos visitar e depois nos separamos”.

Mwene Dumba – Watembo.

Bacuros:

Exú * Aluvaiá/Pambu Njila;

Ogum * Kangira;

Oxossi * Madé;

Ossaim * Catendê/ Ngurufinda;

Omolu * Kaviungo;

Oxumarê * Hangolô;

Xangô * Jambanguri;

Tempo * Kitembu/Iroko;

Logun Edé * Telekompensu;

Oyá * Yapopô/Cita;

Oxum * Sinda/Kissimbi;

Ibeji * Kafulu/Wunji;

Nanã * Zumbá/Zumbarandá/Gangazumba;

Yemanjá * Kaiá/N’ginja;

Obá * Mina Lugando;

Yewá (cobra branca) * Mina Nganji;

Oxaguiã * Malembá;

Tempo * Kitembo/ Iroko;

*Orixá Okô;

Oxalufã * Ferimã/ Lembá/Lembaranganga/Kassuté.

Obs.: nem todos Bacuros ou Inkices são iniciados, mas podem ser cultuados e reverenciados.

Iniciação no Omolokô

O Omolokô é uma religião iniciática. Na concepção dos Lundas-Kiocos, os Bacuros são forças imateriais da natureza que só podem se manifestar e expressar através de certas pessoas de suas escolhas, com harmonia e plenitude se as mesmas forem iniciadas.

O ciclo de iniciação no Omolokô dura 28 dias, porque segue o ciclo lunar (quatro fases de lua, cada uma com sete dias, totalizando 28 dias). Sete dias antes do recolhimento, o neófito tomará sete banhos preparatórios que começarão a preparação do seu corpo e espírito para a iniciação. O período de recolhimento é praticado entre três e sete dias, há pessoas que recolhem em 14 dias, porém o mais comum são sete.

Na iniciação Omolokô não se raspa a cabeça toda. Não se abre “curas” no corpo com navalhas e sim com pemba, pois acredita-se que essas “marcas” ficam no duplo etérico da pessoa, não necessitando cortar o corpo físico. Por catular e não raspar, o Omolokô recebe várias críticas negativas, inclusive querendo desmerecer a feitura.

Alexandre de Xangô

A título de esclarecimento e não de imposição de opinião, citarei alguns odus do tratado de Ifá e de sacerdotes da tradicional religião Yorubá, para apreciarmos outras visões sobre o mesmo assunto.

Odu Odí Iroso – “As pessoas deste Odu não podem raspar a cabeça quando fazem ‘Santo’. Tesoura e navalha não lhes vão à cabeça.”

Odu Oxê Meji – “Este Odu orienta não raspar o cabelo, porque a força e a sorte da pessoa estão no cabelo.” Não raspar, cuidar bem, deixar cumprido e deixar forte.

Uma pessoa pode ser iniciada em cultos oriundos de matriz africana sem raspar a cabeça. A raspagem não é obrigatória dentro da religião tradicional Yorubá. Essa obrigatoriedade se fez no Brasil. Não podemos julgar o que é feito no culto de outras pessoas sem conhecimento ou embasamento para tal.

Na religião tradicional Yorubá há os cultos a vários Orixás, e cada culto tem suas “famílias”, e cada família tem seu sistema. No culto a Orunmilá, certas famílias não raspam a cabeça de mulher. No culto ao orixá Ogum, para certas famílias, é proibido raspar. No culto a Obaluaiê, raspa-se um lado da cabeça, espera crescer um pouco, raspa-se o outro lado e quando começa a crescer, raspa-se os dois lados e se fazem os rituais.

Vander da Silva Fructuoso, mais conhecido como Wander Timbalanda, é produtor musical, intérprete, compositor, colunista do site OBatuque.com e filho carnal de Walter Fructuoso, o Waltinho de Oxalá, raiz de Muçurumim por parte da senhora Maria Bamgbósé, sua primeira zeladora de santo. Waltinho de Oxalá, após a morte de sua mãe, Maria Bobochê passa para a casa de Tiãozinho das Almas, onde recebe todas as obrigações no Omolokô Nagô.

Nesse caso, Wander Timbalada vem ser descendente dessa senhora, integrante da família Bobochê, que trouxe o Candomblé para o Brasil.

Timbalada é iniciado, desde 24 de julho de 1985, por Mariáde Amélia Henrique dos Santos (Okeamim).

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