Ricardo Cruz, o Serrinha Raiz 

Ricardo Cruz, o Serrinha Raiz 

Por Luis Leite
Fotos: Arquivo pessoal

Criado em Madureira e no Estácio de Sá, Ricardo Cruz, de 43 anos, morador da Tijuca, Zona Norte, não poderia deixar de ser estaciano e ter o nome alusivo ao Morro da Serrinha. Serrinha, como é carinhosamente chamado, é admirador incondicional da caixa de guerra, instrumento que o seu irmão se destacava entre os sambistas.

Hoje, Serrinha viaja pelo mundo e o Brasil afora com artistas renomados fomentando o samba brasileiro. Ele faz parte também do grupo Batuque Digital, que reúne a nata dos sambistas. Mais da metade do grupo é formada por mestres e diretores de bateria. Neste bate-papo, Ricardo fala dos projetos para o futuro, da importância das oficinas para a formação de novos ritmistas para as escolas de samba e da geração de empregos para os instrutores.

OBatuque.com – Como surgiram os primeiros passos no samba?
Serrinha – Minha vó, por parte de mãe, é de Madureira, lá da Serrinha, e meus avós, por parte de pai, são do Estácio. Tive a criação dividida nessas duas comunidades, acompanhei minha vó que era do Império Serrano, toda aquela cultura do Império e lá do jongo da serrinha, e no Estácio também comecei desde cedo a frequentar a quadra da escola com a minha família, e daí surgiu o apelido Serrinha, porque com 6 e 7 anos lá na Estácio, eles brincavam comigo, falando que eu era da Serrinha e não do Estácio. Mas agradeço a Deus por ter uma história em dois bairros de grande histórias como Madureira e Estácio, Império Serrano e Estácio! Duas escolas de tradição forte do nosso carnaval e do nosso samba. Com isso, tenho Estácio de Sá no coração e um apego, um amor também pelo Império Serrano!

OBatuque.com – Quando percebeu o dom para tocar um instrumento numa escola de samba?
Serrinha – Eu acho que como fui criado com minha vó de Madureira, meus pais que também eram do samba, a minha mãe imperiana e meu pai Mangueira de coração, porém desfilou lá na Estácio quando ainda era Unidos de São Carlos. Então minha referência musical era o samba e foi o instinto aflorando em mim. Com 4 e 5 anos já tocava nos objetos, fazendo um ritmo (risos). Além disso, minha mãe era passista do Cacique de Ramos, e meu pai desfilava na bateria do Bafo da Onça, dois blocos tradicionais do nosso carnaval.

OBatuque.com – E qual foi o seu primeiro instrumento de bateria?
Serrinha – Então, ainda pequeno, ficava no meio da bateria. Meu saudoso irmão era uma referência no instrumento caixa de guerra na Estácio, sua batida era falada por todos ritmistas, a peça me chamou a atenção. E aí me despertou esse o interesse por esse instrumento, que é o RG de uma bateria, na minha opinião. Todos os instrumentos têm sua importância, mas é pela caixa de guerra que sabemos a origem da escola. Mas também gosto de uma terceira com aquele balanço e uma cuíca bem tocada.

OBatuque.com – Como você avalia as bossas e as paradinha atuais? Elas atrapalham ou ajudam?
Serrinha – Eu gosto e acho interessante, mas ao meu ver o importante é a medida da utilização, há de se privilegiar o ritmo e o andamento. O swing, isso no meu particular, é o mais importante. Paradinhas e bossas, que são as mesmas coisas, são apenas um complemento porque não adianta ter um excelente conjunto de bossas e não ter uma qualidade boa de ritmo.

OBatuque.com – Por quais escolas de samba você desfilou como ritmista e como diretor?
Serrinha – Desfilei na Estácio, Unidos da Tijuca, Salgueiro, Imperatriz, Grande Rio, Viradouro, Porto da pedra, Vila Isabel, Império Serrano e Beija Flor. Como diretor, fui da Unidos da Tijuca por 12 anos, fui da Estácio de Sá, tive passagem pela Unidos de Padre Miguel e Cubango. Me ausentei da direção de bateria, por conta de compromissos no exterior, trabalhos musicais no Brasil e gravações e não tive tempo para ficar exclusivamente em bateria, mas penso em voltar, quem sabe? mas não abandonei as baterias, não, onde será eternamente minha escola e evolução musical!

OBatuque.com – Qual a escola que fez um desfile impecável?
Serrinha – Já presenciei muitas com desfiles impecáveis, mas uma que me marcou, foi no Carnaval 92 da Estácio de Sá, que foi um título indiscutível, pois nem a escola espera aquele desfile e o título. Ver toda a arquibancada do início e ao fim cantando e fazendo coreografia. Naquele momento foi marcante, porque foi avenida inteira empolgada.

OBatuque.com – Uma desfile de bateria impecável.
Serrinha – Desculpe me, você falou de bateria impecável… Então, passei por muitas, mas gostei muito e até hoje venho acompanhando o nível da bateria da Unidos da Tijuca e a admiração pela bateria do Salgueiro. Não que eu não goste das outras, pois tenho uma admiração por cada estilo de cada uma que passo ou passei, mas sem desmerecer as demais, falo particularmente dessas duas e da pegada da minha Estácio de Sá. Porque se eu falar de cada uma, tenho muito a destacar a qualidade delas, como Império, Mocidade, Beija-Flor com sua afinação, Portela e por aí vai!

OBatuque.com – Você se prepara religiosamente antes dos desfiles?
Serrinha – Eu sou espírita e sempre peço proteção aos meus orixás, todos seres de luz que me acompanham abaixo de Deus, porque o carnaval, a música existem energias e isso precisa ser respeitada por quem crê como eu. Por isso eu peço sempre positividade.

OBatuque.com – Qual seria a formação ideal de uma bateria?
Serrinha – Eu gosto de bateria mais leve, e seria mais ou menos assim: 36 tamborins, 24 chocalhos, 24 cuícas, dez primeiras, 12 segundas, dez terceiras, uma terceira. A minha afinação de terceira não muito alta, como dizemos na nossa gíria, não muito coquinho (afinação muito alta, quase o couro totalmente apertado), mas meio médio. Gosto e priorizo mais essa resposta do surdo de segunda, por ser o tempo forte (o tempo 1 do samba), por isso coloco surdo a mais de segunda, 100 caixas e 36 repiques.

OBatuque.com – Um mestre de bateria?
Serrinha – Então, tenho respeito e admiração por muitos e dentre eles o que se destaca é o Mestre Ciça. Tenho uma admiração por esse mestre, porque ele que me colocou nesse mundo de bateria e aprendi muito com ele. Tenho também por mestre Odilon; o saudoso mestre Coé, da Mocidade. Admiro o mestre Marcão, pela sua técnica e ousadia; mestre Casagrande, pelo seu jeito de ser e sua postura; mestre Celinho, que também foi da Unidos da Tijuca; e os amigos que estão chegando agora da nova geração, como mestre Lolo, Thiago Diogo, Caliquinho, Washington, Dinho, Dudu… são muitos bons aí.

OBatuque.com – Um diretor de caixa?
Serrinha – Gosto do meu amigo Júnior Sampaio, Waguinho que fez um bom trabalho na Mocidade quando passou por lá.

OBatuque.com – Projeto para o futuro em relação à profissão de músico e à sua oficina de ritmista?

Serrinha – Atualmente, faço parte do grupo Batuque Digital, que é formado por mestres e diretores de bateria. O estilo de música é uma fusão de batucada de escola de samba com música eletrônica. Em breve, o Batuque Digital fará 10 anos. O grupo tem uma sede, onde ministro oficina de percussão. O local é chamado de Espaço Batuque Digital, no qual o cunho dessa oficina é voltada para o universo de escolas de samba, em relação ao ritmo e ao swing do nosso samba. Minha ideia seria que as escolas de samba dessem mais atenção às oficinas de percussão, onde iria gerar mais oportunidade de qualificação e emprego também para instrutores. Acho que seria um bom caminho um projeto assim. Oportunidade, qualificação e emprego. Na minha oficina de ritmista, eu trabalho com meu método. Minha teoria e prática são um pouco diferente de que se dá diretamente dentro da escola de samba. Claro eu priorizo a batida clássica do samba, dou ênfase ao swing e a batida correta, acentuações e também a métodos que estimulam a capacidade e nível de evolução de cada um com exercícios rítmicos diferenciados que ajudam na coordenação motora de dependência. Vamos levantar a bandeira do nosso samba, que é nossa cultura de grande riqueza e precisamos preservar e valorizar sempre, porque isso é história de nossa terra que o mundo admira. E sou grato ao meu samba, que ele me levou ao mundo onde fico enriquecido de conhecimento de cultura, gratidão ao meu samba por tudo que sou.

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