União da Ilha e Porto da Pedra são destaques no 1º dia de desfiles da Série Ouro
Menina de 11 anos perde uma das pernas após acidente com carro alegórico da Em Cima da Hora; estado da criança é gravíssimo
Depois de dois anos sem carnaval, a Marquês de Sapucaí abriu os portões nessa quarta-feira (20), para receber o maior espetáculo a céu aberto da Terra.
Show de cores
O novo Sambódromo passou por reforma na pista e nova iluminação para brindar o público. Os efeitos das luzes de led, além de reduzirem o gasto de energia, entre o intervalo das escolas, fazem um show à parte com as cores das agremiações.
Com um público menor do que o esperado, nessa primeira noite, o espetáculo ficou por conta da Em Cima da Hora, Acadêmicos do Cubango, Unidos da Ponte, Unidos da Porto da Pedra, União da Ilha do Governador, Unidos de Bangu e Acadêmicos do Sossego.
Em Cima da Hora
Inexplicavelmente, de acordo com os organizadores do desfile, com quase uma hora de atraso, a Em Cima da Hora iniciou o seu desfile, ao reeditar o famoso “33 – Destino Dom Pedro II”, de 1984, que conta a história do trem 33, que levava os passageiros a cidade de Japeri, no Rio de Janeiro, até a estação Dom Pedro II, atual Central do Brasil.
Para aquecer o público, o intérprete oficial da Em Cima da Hora, Ciganerey, entoou na largada da azul e branca de Cavalcanti o samba antológico e uma das maiores referências do carnaval: “Os Sertões”, de 1966, de Edeor de Paulo (1932 – 2020).
A escola trouxe a emoção de voltar à Sapucaí e abrir o carnaval. O desfile apresentou muitos problemas ao longo do percurso. Antes mesmo da linha de início do desfile, o carro abre-alas e a última alegoria tiveram dificuldades para entrar na avenida e se deslocaram lentamente na pista de desfile.
Em razão disso, um clarão se abriu entre as primeiras alas em frente a uma das cabines de jurados, prejudicando a harmonia. Por outro lado, os figurinos estavam bem-vestidos compostos por um material simples.
A experiente porta-bandeira Jacke Antunes, Estandarte de Ouro 2009 pelo Império Serrano como revelação, estreou ao lado do mestre-sala Jonhy Mattos, com uma fantasia luxuosa, nas cores da escola, representando os “Senhores do Tempo”, referência à dança dos relógios e ponteiros que marcam o tempo dos suburbanos. A dança do casal foi com precisão e passos bem marcados.
A escola iniciou o desfile na paleta de cores da agremiação e alterou as cores de acordo com a mudança dos setores. A comunidade cantou e evoluiu com o famoso 33. A bateria de mestre Wando Antunes não fez muitas bossas, mas trouxe a paradinha de funk. Em função dos problemas ocorridos e para não estourar o tempo, os ritmistas passaram direto pelo segundo recuo.
Um dos destaques do desfile, foi a estreia de Jorge Amareloh como rei de bateria. Ele deu um show de samba no pé, cantando e evoluindo ao som do famoso 33. O Morro da Primavera finalizou o desfile aos 53 minutos.
Na dispersão, na Rua Frei Caneca, mais precisamente, um acidente marcou o primeiro dia de desfiles: Raquel Antunes da Silva, de 11 anos, teve as pernas esmagadas entre um poste e um carro alegórico da Em Cima da Hora. Já no Hospital Souza Aguiar, a menina teve uma das pernas amputadas, uma parada cardíaca e segue em estado muito grave. O acidente provocou o atraso de mais uma hora na programação do evento.
Acadêmicos do Cubango
A Acadêmicos do Cubango foi a segunda agremiação a pisar na avenida, com o enredo “Chica Xavier, a mãe baiana do Brasil”, em homenagem à yalorixá Chica Xavier.
A verde e branco de Niterói iniciou o desfile com o discurso inflamado da presidente Patricia Cunha, que desmentiu os áudios que tomaram conta dos grupos de WhatsApp na última quarta, dizendo que a escola não tinha entregue todas as fantasias e que as condições de desfile seriam precárias.
A ancestralidade e a religiosidade da homenageada foram os fatores principais na comissão de frente comandada pelo coreógrafo Fábio Batista, professor de dança afro, que já teve passagem pela Imperatriz Leopoldinense e outras escolas. A comissão veio representando, em cena, mãe Chica Xavier, seus rituais de elevação da alma. Um balé afro que interage aos pés da árvore sagrada.
Com a indumentária estilo “Grupo Especial”, o primeiro casal de mestre-sala e porta-bandeira, Aline Flores e Diego Falcão, selou a estreia dançando juntos. Aline, que ficou 14 anos sem dançar, demostrou na avenida uma performance com muita garra junto com o seu par. A luxuosa fantasia, nas cores bege com muito faisão e fuê, representou a “Bahia de todas as crenças”. Para quem um dia já desfilou como porta-bandeira, Patricia não mediu esforços para que os três casais de mestre-sala e porta-bandeira desfilassem com fantasias impecáveis.
Durante o desfile, outro ponto alto ficou por conta do intérprete Pixulé, que incentivou a evolução de quem chegou à avenida com o objetivo de disputar o título.
Unido a isso, o prata da casa, mestre de bateria Demétrius Luiz, não economizou para colocar as paradinhas na avenida. Uma das baterias mais esperadas do acesso trouxe muitas ritmistas que representaram as Griottes. A dupla de milhões, Marianne Hipólito (madrinha de bateria) e Mariane Marino (rainha da escola), ambas oriundas de alas de passistas, mostrou muito samba no pé à frente da bateria.
Por outro lado, as baianas tiveram problemas com as saias rodadas, tendo em vista que algumas estavam sem aro. E ainda por cima, a escola ficou parada por aproximadamente 30 minutos, devido ao acidente com o carro alegórico da Em Cima da Hora. Além disso, o segundo carro seguiu com as luzes apagadas.
Já o último carro, representando ”O sagrado legado de Chica Xavier, a “Mãe baiana do Brasil”, trouxe para os familiares e amigos da homenageada, que morreu em agosto de 2020, muita emoção à flor da pele.
Unidos da Ponte
A terceira escola a entrar na Sapucaí, a Unidos da Ponte, apresentou o enredo “Santa Dulce dos pobres – o anjo da Bahia” que falou da importância da solidariedade. A homenagem foi a uma das personalidades mais importantes do Brasil: a santa Irmã Dulce (1914 – 1992).
A comissão de frente contou com o talento do diretor da Ala de Passista da Viradouro, Valci Pelé, no cargo de coreógrafo. Representando “O anjo bom da Bahia”, a comissão trouxe personagens que representam pessoas contempladas pela caridade da santa. No entanto, o tripé, parte integrante da coreografia, estava quebrado, e a evolução se apresentou de forma lenta.
Ao longo do desfile, o destaque ficou por conta do primeiro casal de mestre-sala e porta-bandeira, Camyla Nascimento e Emanuel Lima. A dupla, apesar do pouco tempo de ensaio, demonstrou uma dança segura e altiva.
Ousada, a escola trouxe o trio de estreantes na Sapucaí: o intérprete oficial Charles Silva, como apoio do carro de som. O mestre de bateria, Branco, que além de bossas, fez coreografias e um pouco de pirotecnia. Já a rainha de bateria, Lili Tudão, acostumada com a Sapucaí dos seus tempos de passista, mostrou todo o seu gingado no novo posto.
Após a passagem do abre-alas, um buraco se fez em frente ao último módulos de jurados e desestruturou toda a agremiação que literalmente teve que correr. Isso ficou evidente, quando a bateria seguiu reta e não entrou no segundo recuo. A chegada à dispersão foi com muita correria, e mesmo assim, a escola não conseguiu encerrar o desfile dentro do horário. Dessa forma, a Acadêmicos do Cubango terminou o desfile com um minuto além do tempo-limite. De acordo com o regulamento, a Verde e Branca de Niterói deverá perder um décimo por extrapolar o horário.
Porto da Pedra
Por volta das 3h da manhã, com a imponência do tigre-símbolo, personificado no abre-alas, a Porto da Pedra, a escola de São Gonçalo, entrou na Sapucaí com pinta de campeã. Uma agremiação coesa e com carros e alegorias com proporções maiores que as escolas anteriores, fez a diferença. A quarta escola da noite trouxe para o Solo Sagrado “Mãe Stella de Oxóssi”, que lutou pelo respeito ao candomblé.
O intérprete Pitty Menezes sacudiu a Sapucaí com a sua voz, relembrando diversos sambas históricos da agremiação. Pitty fez ainda uma homenagem a Dominguinhos do Estácio (1941 – 2021), estampando no terno a foto do ex-intérprete da Estácio de Sá.
A comissão de frente, comandada pelo coreógrafo Paulo Pinna, trouxe a ancestralidade de Mãe Stella com movimentos marcados e bem ensaiados, numa comissão majoritariamente feminina. A fantasia representa “A flecha certeira de Odê”.
Com ótimo desempenho ao longo da avenida, alguns carros alegóricos tiveram problemas com a iluminação. O showman mestre Pablo, sempre aguardado por causa das suas fantasias, se vestiu de tigre. Ao invés de representar o enredo, como de costume, o brincante homenageou a sua agremiação.
Dando sequência ao desfile, Cintya Barboza e Rodrigo França, primeiro casal de porta-bandeira e mestre-sala, desfilaram representando a ancestralidade africana. Há mais de uma década juntos, a experiência transpareceu na dança, através de um bailado maduro e mais tradicional.
Com evolução e canto contínuos até o término do desfile, a escola encerrou a sua apresentação dentro do prazo.
União da Ilha do Governador
Antepenúltima a desfilar, a União da Ilha do Governador, com o enredo “O vendedor de orações” exaltou a devoção à Nossa Senhora Aparecida através de uma mensagem de fé, amor e esperança.
Segunda escola a passar na avenida com estrutura de Grupo Especial, a Tricolor Insulana desfilou com carros luxuosos, fantasias com adereços de mão e ótimo acabamento. Um dos destaques da Ilha foi a comissão de frente, “Altar de orações”, sob o comando do “casal segredo”, Priscilla Mota e Rodrigo Neri. No papel de Nossa Senhora, a atriz Cacau Protásio, devota da santa, pôde viver esse personagem.
Com o DNA de Vilma Nascimento, a porta-bandeira Daniele Nascimento e seu mestre-sala Marlon Flores representaram os “Vendedores de orações”. Com roupas ornadas de símbolos de devoção, o casal representou a fé do escravizado Zacarias.
Cria da escola, Ito Melodia, intérprete da União da Ilha, cantou a plenos pulmões, sob a batuta da dupla de mestres Keko e Marcelo. Apesar disso, o samba não contagiou a Sapucaí, mas mesmo assim a escola fez um carnaval digno de sua tradição, mesmo que tendo que acelerar no final para não estourar o tempo. A União terminou o desfile com 54 minutos.
Unidos do Bangu
Já passava das 5h da manhã, quando a escola da Zona Oeste, a Unidos de Bangu iniciou o desfile na Marquês de Sapucaí, com o enredo “Deu Castor na cabeça”, que mescla a história do bairro, do time de futebol Bangu Atlético Clube e o bicheiro Castor de Andrade (1926 – 1997), patrono do time e das escolas de samba da região. A escola mostrou o desenvolvimento do bairro a partir da fábrica de tecidos.
Com uma plástica de fácil leitura, Castor permeou todos os setores da escola. A comissão de frente, do coreógrafo Vinícius Rodrigues, representou “Botando a banca – deu samba no jogo do bicho”. Apresentou, com irreverência, alguns animais do jogo do bicho, com a “participação” de Castor, que não faz parte do jogo, mas é o símbolo do homenageado no enredo.
O primeiro casal de mestre-sala e porta-bandeira, Anderson Abreu e Eliza Xavier desfilaram com a fantasia “Jogo Feito, banca forte, eu cerco pelos 12”. Uma grande homenagem ao mecenas do samba de Bangu e de Padre Miguel.
A bateria do mestre Léo Capoeira, bem afinada, manteve o andamento e a cadência do início ao fim. Em alguns momentos fez alusão à bateria da Mocidade Independente de Padre Miguel. Wenny Isa, 12 anos, irmã de Lexa, fez a estreia como rainha de bateria teen, com um figurino angelical.
O comando do carro de som ficou por conta do intérprete Thiago Brito, que se fantasiou de Castor de Andrade, e durante todo o percurso cantou com a bandeira da escola nas mãos.
O fim do desfile também foi uma correria por causa do tempo, e a Bangu fechou a sua apresentação com 58 minutos, estourando assim o cronômetro em 3 minutos. Além disso, umas das alegorias teve muita dificuldade para percorrer o desfile, pois não andava bem para frente e nem para atrás, e a última atravessou a linha de chegada quase despencando.
Acadêmicos do Sossego
Encerrando o primeiro dia de desfiles na Passarela do Samba da Série Ouro, já com o dia claro, Acadêmicos do Sossego trouxe o tema “Visões Xamânicas”, profecias indígenas que alertam para o colapso do planeta, caso a humanidade não comece imediatamente a preservar e respeitar o meio ambiente.
Apesar de uma escola compacta, a evolução foi muito prejudicada pelo samba e o horário avançado. Mesmo assim, Sossego realizou um desfile animado, sob o comando de Nino do Milênio e do mestre Lion, que não economizou nas bossas.
O segundo rei de bateria da noite, Juarez Souza, abrilhantou à frente dos ritmistas e ao lado da rainha Malu Torres. O primeiro casal de mestre-sala e porta-bandeira, Fabrício Pires e Giovanna Justo, apresentou um bailado tradicional.
Devido ao dia claro, o último carro, “um novo mundo vai renascer”, que estava previsto para ser apresentado durante a noite, projetou imagens nas dependências da Sapucaí, porém sem sucesso, em decorrência da claridade. A agremiação fechou sua apresentação dentro dos 55 minutos.